Uma tarde de inverno ensolarada com os pés na areia da praia de Ipanema, dos fones do iPod saem o verso ‘deixa a vida me levar’, entre riffs de guitarra, na voz de Di Ferrero. Não precisa se beliscar porque a situação que acabamos de imaginar é muito possível, graças ao clima leve e solar de Em comum, novo CD da banda paulistana que acaba de chegar às lojas. O título de ‘banda paulistana’, aliás, ficou com um pouco da areia de Ipanema nos pés desde que Di se apaixonou pela atriz Mariana Rios e para o Rio de Janeiro se mudou.
O vocalista do grupo e Gee Rocha, Caco Grandino, Filipe Ricardo e Daniel Weksler acabaram de voltar para casa após turnê de três shows em sete dias no Japão, com gafanhotos ao chocolate no estômago e o animado público de olhos puxados na memória, já conquistaram um espaço cativo no cenário musical brasileiro (distante do rótulo de ‘emo’, vale dizer), se desprenderam de qualquer amarra musical que ainda pudesse estar nos cordões de seus instrumentos, e, em setembro, retornam ao palco do Hangar 110, tradicional casa de shows underground em São Paulo, que lotaram por diversas vezes no início da carreira, com o Setlist NX Zero, um show especial montado de acordo com os pedidos musicais do público. Em um papo exclusivo com a coluna, o baterista Dani, agora com uma aliança na mão esquerda após o casamento com a cantora Pitty, fala um pouco sobre cada novidade na carreira, o atual cenário do rock no Brasil e até sobre os pratos mais exóticos que comeu na terra do sol nascente.
Heloisa Tolipan: O que vocês fizeram nesses três anos além de elaborar o ‘Em comum’?
Daniel Weksler: Além de lançarmos um DVD ao vivo, comemorando os 10 anos da banda, e a turnê dele, o Conrado gravou algumas músicas no estúdio dele, o Di escreveu várias músicas, eu toquei um projeto com o Reginaldo (Lincoln), do Vanguart, e também fizemos o Projeto Paralelo (empreitada que reuniu diversos convidados, como Emicida e Criolo). Com o tempo, é normal qualquer banda parar um tempo para que seus integrantes foquem em seus respectivos projetos paralelos, mas achamos meio cedo para embarcarmos nessa e decidimos fazer um projeto paralelo com todos juntos. Até achamos que o Projeto Paralelo nos traria mais colaborações e influências para esse novo CD, mas achamos que, se não rolou, é porque não era a hora. Preferimos priorizar um disco de composições, sem participações especiais. O Gee é enlouquecido no PP e talvez tenham mais convidados na próxima edição.
HT: A leveza que encontramos nas letras das faixas de ‘Em comum’ é um reflexo do espaço que vocês já conquistaram no mercado?
Daniel: Percebo muito essa leveza por conta das nossas influências. Durante um ensaio, por exemplo, o Di nos entregou a música Maré e disse: ‘fiz uma bossa nova’. Olhamos meio torto de primeira, mas ao invés de bloquear essas ideias novas, decidimos olhar por um lado bom. A música era super calma, meio Norah Jones, e deixamos com a nossa cara. Agora o Di está morando no Rio, e escreveu a música Sem hora para voltar olhando para o mar, sentado na praia. A segurança está na liberdade que a gente conquistou.
HT: Quando vocês estouraram no Brasil inteiro receberam o rótulo de ‘emo’, assim como os meninos do Restart e Banda Cine recebem hoje o de ‘banda colorida’. Hoje, vocês se vêem totalmente livres desses rótulos?
Daniel: Nunca estivemos muito presos a esses rótulos. No início, acho que recebemos essas ‘etiquetas’ por sermos muito molecões, mas, conforme o tempo passou e tivemos espaço para mostrar o nosso trabalho, a galera percebeu a nossa identidade, a nossa vibe. Sempre digo para as pessoas: ao invés de rotular, simplesmente escuta a nossa música, assiste ao nosso show e permita que você se emocione. Se continuar achando isso tudo, beleza.
HT: O que vocês pensam sobre essa história de ‘o rock acabou’? Bandas novas que tentam trazer alguma novidade para o universo do rock acabam não sendo abraçadas pela parte mais tradicional do público. O que você acha desse ‘engessamento’ do rock?
Daniel: Difícil falar sobre isso agora porque estamos em um momento de transição, é mais fácil analisar daqui a alguns anos, quando tivermos mais material para isso e o distanciamento necessário. Agora, muita coisa está acontecendo e muitas bandas, surgindo. Pensando rápido, não consigo lembrar de nenhuma banda nova de rock nacional que tenha chamado a minha atenção. Acho que o mais importante é não ficar preso ao título de ‘rock’. Vejo gente que é muito mais rock ‘n roll do que os que se dizem roqueiros, como o Emicida e oCriolo, por exemplo. Ser ‘do rock’ não é só tocar guitarra, ter cabelão e fazer shows bêbado, a atitude é o mais importante.
Algumas pessoas falam que é importante o surgimento de um novo Raimundos, mas, cara, se não tem ‘um novo Raimundos’, escuta o que já existe! As boas bandas de rock atualmente não são de molecada. São os meninos do Medulla, por exemplo, que já estão na estrada há um tempo.
HT: Vocês estão lançando um novo formato de show, o Setlist NX Zero, em que os fãs vão escolher mais músicas serão tocadas no palco. Como surgiu essa ideia? O show vai viajar o país inteiro ou serão só essas apresentações no Hangar 110, em São Paulo, nos dias 21, 22 e 23 de setembro?
Daniel: Surgiu em uma reunião que temos periodicamente com o Rick Bonadio, justamente para trazer novas ideias. Ele pensou em fazer alguma coisa que pudesse trazer de volta o público que ia aos nossos shows no início da carreira e também atrair quem não nos conheceu lá no início. Durante o nosso show normal, de uma hora e vinte minutos de duração, ficamos um pouco presos às músicas de trabalho e muitas músicas de vários discos ficam de fora. Agora, queremos priorizar as que não foram trabalhadas e as que a galera gosta e nunca pôde ver ao vivo. Vamos rodar o país com o Setlist NX Zero paralelamente com a turnê Em Comum, sempre em casas pequenas, como o Hangar 110.
HT: Vocês acabaram de voltar de uma turnê de três shows no Japão. Como foi a viagem?
Daniel: Foi uma doideira. Sempre tivemos o sonho de sair do Brasil e, logo na primeira vez, fomos para o outro lado do mundo. Foi muito doido, a expectativa, muito grande. A galera de lá é o máximo, a cultura japonesa é sensacional. Fomos pensando que tocaríamos apenas para a colônia brasileira de lá, mas descobrimos vários japoneses que não falam português se identificando com a nossa energia sem nem saber o que estávamos cantando. Inclusive, uma japonesa casada com um brasileiro fez uma versão de Cedo ou tarde e cantou com a gente no palco em um dos shows. Não foi simplesmente uma viagem, rolou uma interação com a galera.
HT: Como foi a alimentação? Comeram gafanhoto e carne de cachorro?
Daniel: Se eu falar, vocês vai sentir nojo… Comemos intestino de porco cru! Mas passou, não quero nem falar muito sobre isso (risos). Rolou até grilo com chocolate, foi bem bizarro, mas sempre tinha um miojinho para matar a fome.
HT: Qual foi o souvenir mais inusitado que vocês trouxeram na mala?
Daniel: Tem um que eu queria muito trazer e me arrependi quando cheguei em casa. Em todos os lugares no Japão, na rodoviária, na balada ou no quarto do hotel, tinha uma privada que esquentava o assento, tocava uma musiquinha de cachoeira na hora de fazer xixi e ainda te limpava depois. Fiquei muito triste de não ter comprado, quem sabe não trago na próxima?
HT: Vocês já têm algum show marcado lá fora? Qual lugar querem muito ir?
Daniel: Era para ter rolado um show no Paraguai, junto com o Maroon 5, mas não deu. E quaaaase fomos para Nova York. Somos uma banda brasileira e o nosso único atrativo é cantar em português porque o nosso som não é muito regional, característico do Brasil. Sempre que viajamos, tocamos para a colônia brasileira do local e isso é legal porque tem brasileiro espalhado no mundo inteiro.
Queremos muito ir a Nova York porque é uma cidade que todos nós gostamos muito. E também curtiríamos ir à Argentina, ao México, países de língua latina em geral, que estão mais próximos de nós. A identificação é mais fácil por conta do idioma parecido e a interação com o público deve ser maior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário